Igreja católica na Rio+20: Garantir que o ser humano esteja no centro!

Entre
as vestimentas ostentosas, que vão de turbantes a togas africanas,
usadas por muitos dos negociadores e representantes da sociedade civil
que circulam nos corredores do Riocentro, um discreto clergyman —
o colarinho branco de uso dos padres — passa quase despercebido sob a
proteção do terno preto de Francis Chullikatt. A marca em
vermelho em seu crachá indica que o sacerdote não ganhou credenciais da
ONU simplesmente para abençoar a conferência. Negociador chefe da Santa
Sé — a representação governamental do Vaticano —, Chullikatt, um indiano
de estatura média e ar bonachão, é o primeiro sacerdote de origem não
italiana a ocupar o maior cargo da escola diplomática mais tradicional
do mundo — afinal, antes de os
Estados Unidos declararem independência ou de a China fazer uma
revolução, a igreja já lidava com questões internacionais e era um dos
principais atores do jogo das nações.
A
estrutura, explica Chullikatt, transcende ao próprio papa. “Nós,
diplomatas da Santa Sé, somos, acima de tudo, pessoas da igreja. É isso o
que torna a nossa diplomacia diferente das outras. Temos nossas
próprias doutrinas.
Nós não mudamos nossas políticas ou ensinamentos de acordo com novas
tendências ou a cada eleição de um novo papa, como ocorre em nações
seculares. Temos coerência e consistência na nossa política diplomática.
Talvez sejamos o único estado a apresentar essas características na
política externa. É isso o que dá a credibilidade no mundo inteiro e a
torna tão respeitada“, afirma.
Apesar
de sua própria posição, como “observador permanente do vaticano”,
indicar a forma tradicional de representação da igreja nas Nações
Unidas, o sacerdote rejeita a passividade na Rio+20. “Esqueça isso. A
nossa missão nada tem a ver com observação. Estamos aqui como
estado-membro pleno da conferência”, garantiu, ao colocar de lado um
prato de comida mexicana na praça de alimentações do Riocentro, antes de
conceder entrevista ao site de VEJA.
De
fato. O rascunho do documento pelo qual se travam as batalhas
diplomáticas da conferência chegou ao Rio, após três sessões de
negociações em Nova York, tem pelo menos nove parágrafos marcados por contestações da Santa Sé.
A equipe de Chullikatt, por exemplo, travou uma verdadeira batalha com
os Estados Unidos sobre o tema erradicação da pobreza. Enquanto os
americanos pediam que a promoção do crescimento econômico para o
desenvolvimento sustentável se desse como um todo e não fosse
direcionada para os países em desenvolvimento, como sugeria o parágrafo,
os padres fincaram posição e pediram para que a expressão fosse
mantida. Mas, afinal, o que quer a Igreja Católica na Rio+20?
Chullikatt não foge às questões. Na posição de negociador, explica que a missão de sua delegação é garantir que o ser humano esteja no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. “Se esse for um documento que não coloca a vida humana como principal aspecto, será um documento errado. A proteção ambiental e a justiça social servem para contribuir para o bem do ser humano e não o contrário. Essa é a razão de estarmos aqui”, afirma.
Na prática, as
intervenções da Santa Sé ocorrem em questões éticas em posições
tradicionalmente defendidas pela igreja. “A agenda introduziu um
contexto destorcido de sexo, que nós não endossamos. Sempre que
falarmos de gênero, temos que levar em conta o homem e a mulher. Nada
mais deve ser adicionado. A Santa Sé mantém e faz isso de forma muito
clara. Há apenas dois gêneros, nenhum outro”, afirma.
A
Igreja também quer interferia no que a conferência prevê sobre controle
de população. Quando tratada sob o tema “saúde” no documento, o corpo
diplomático se faz presente para barrar a adoção de políticas para a reprodução humana. “A
população não é um obstáculo para o desenvolvimento e sim uma fonte
para ele. Então eu retomo o primeiro princípio. O desenvolvimento deve
ser focado na pessoa humana e não de forma inversa.
Você não vai atingir desenvolvimento ao reduzir a sua população. Olhe
para o Brasil, China e Índia. São as pessoas que estão fazendo o
desenvolvimento acontecer”, argumenta Chullikatt.
Segundo
o sacerdote, que serviu como embaixador da Santa Sé para o Iraque e a
Jordânia antes de assumir o cargo, o Vaticano também apoia questões
sensíveis aos países em desenvolvimento, o princípio de responsabilidade
diferenciada, a transferência tecnológica e a distribuição igualitária
de recursos. “A Santa Sé tem
sido um dos poucos que tem apoiado completamente o desenvolvimento das
nações mais pobres, especialmente aquelas que mais sofrem, como os
Países Menos Desenvolvidos (PMDs). É preciso abrir o mercado para que
eles possam competir. É preciso fazer concessões a eles”, alega.
Quem
vai representar o Vaticano na cúpula de alto nível, junto com
presidentes, monarcas e primeiros-ministros, é o arcebispo de São Paulo,
cardeal Odilo Pedro Scherer. As negociações, agora sob coordenação do
Brasil, seguem com impasses e há dúvidas sobre a real possibilidade de a
Rio+20 produzir uma declaração firme rumo a ações para um futuro mais
sustentável. Mas seja lá o que gigantes, como G-77, Estados Unidos,
União Européia e Japão, vierem a acordar para “o nosso futuro comum”, o
consenso também terá que passar pelos auspícios dos sacerdotes.
Fonte: Revista Veja.
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